Penso que não cometeríamos um erro grande, ao afirmar, de forma empírica, que o controlo de dor é o desejo principal de qualquer médico ou profissional de saúde, e naturalmente o pedido principal de um paciente, (em qualquer situação clínica), que “não sofra”.
De facto, a dor seja ela aguda ou crónica, aparece casuisticamente como a preocupação principal em qualquer estudo, seja ele de natureza médica, política ou mesmo bioética.
O número de dados relatados, a sua intensidade (medida em vários tipos de teste), e a sua limitação incapacitante, tornam a dor como uma das principais preocupações a nível mundial, e o motivo principal de consultas médicas nos países desenvolvidos.
Mas então, o que é a dor e qual o mecanismo pelo qual ela se origina e transmite?
Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor, ela pode ser definida como “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada ao dano tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tais danos”
Fisiologicamente, e excluindo toda a subjectividade da dor emocional, podemos concentrar-nos na dor como uma resposta resultante da integração central de impulsos dos nervos periféricos, ativados por estímulos locais.
Para um melhor entendimento e interpretação de resultados clínicos, é importante a diferenciação entre a origem e o local da dor. Enquanto que o local da dor é o sítio onde o paciente a refere, a origem é o local onde ela realmente se origina.
Por definição, quando a origem é coincidente com o seu local, dizemos que estamos na presença de uma dor primária. Um bom exemplo pode ser a dor de dentes.
No entanto, em muitas outras situações a dor é sentida num local bem distinto da sua origem; a estas são chamadas dores heterotrópicas. (São seus exemplos, os tumores cerebrais a produzir dores no pescoço ou ombro, compressão de um nervo cervical a produzir dor nas mãos ou dedos, ou a dor sentida no braço esquerdo num enfarte de miocárdio).
A dor, enquanto sensação física associada ao ferimento ou à doença pode ser interpretado como um processo neurofisiológico que atua como um mecanismo reflexo protetor, com o objetivo principal de alertar de um perigo ou ferimento, induzindo a uma resposta do organismo. É o caso clássico de retirarmos a mão de uma superfície quente, de uma forma automática, para impedir que esta se queime (reflexo nocirreceptivo).
O conceito de “Graduação da dor”, prevê que impulsos, vindos de um estímulo nocivo, o qual é primariamente conduzido por neurónios aferentes dos nocireceptores, podem ser alterados antes de atingir o córtex, para seu reconhecimento.
Esta alteração ou graduação do estímulo sensorial, pode ocorrer ao nível das sinapses primárias entre o primeiro neurónio e o seu interneurónio quando ele entra inicialmente no SNC, ou em qualquer outro patamar enquanto o estímulo ascende para o tronco encefálico e córtex.
Podemos considerar que o organismo tem várias formas de intervir, em resposta a um estímulo nocivo, ou seja, por outras palavras, mecanismos fisiológicos que atuam como filtros, impedindo que todo e qualquer estímulo venha desencadear uma resposta exagerada de dor.
Um exemplo dessa intervenção que funcionará como “filtro”, será o
1) Sistema de estimulação cutânea não dolorosa
Por definição, chamamos de fibras nervosas aferentes, aquelas que conduzem a informação até ao SNC. Estas podem ter diferentes espessuras, e como sabemos, quanto maior o diâmetro da fibra, maior será a sua velocidade de condução do impulso nervoso.
Segundo o seu tamanho, as fibras aferentes podem ser divididas em 4 grupos:
- Grupo I – A – Alfa – As mais espessas, transmitem a sensação de tato, movimento e posição (propriocepção)
- Grupo II – A – beta
- Grupo III – A – delta – condutoras de dor
- Grupo IV – C – condutoras de dor
Foi postulado que se as fibras mais espessas (Grupo I) fossem estimuladas ao mesmo tempo que as menores, iriam mascarar o seu estímulo (das menores) para o SNC, diminuindo a perceção de dor.
Para o efeito ser grande, a estimulação das fibras mais espessas deve ser constante e abaixo do limiar do nível da dor.
A estimulação elétrica transcutânea nervosa (TENS), é um exemplo de estímulo não nocivo que irá mascarar uma sensação dolorosa.
A aplicação de impulsos constantes de baixa intensidade em fibras nervosas de maior espessura, (propioceptivas), próximo do local de um ferimento ou lesão, vão bloquear o estímulo de fibras nervosas de menor espessura (da dor), evitando que os estímulos nervosos alcancem o cérebro e assim originem a sensação de dor.
Um outro exemplo de intervenção de resposta ao estímulo de dor, será o
2) Sistema de estimulação dolorosa intermitente
Um segundo tipo de modulação de dor, pode ser solicitado através do estímulo de áreas do corpo que têm alta concentração de nocireceptores e baixa resistência elétrica. O estímulo destas áreas permite reduzir a dor sentida num outro local distante.
A forma de atuação deste sistema é desencadeada por uma descarga de opiáceos endógenos denominados endorfinas.
As endorfinas são polipeptídeos produzidos no corpo com um efeito tão ou mais poderoso do que o da morfina na diminuição de dor.
São identificados dois tipos básicos de endorfinas:
- As encefalinas – são libertadas pelo líquido cefalo-raquidiano, o que lhes permite uma atuação rápida no local para reduzir a dor
- As beta-endorfinas – são libertadas como hormonas pela hipófise diretamente no sangue. Por esse motivo, têm um efeito mais lento do que as encefalinas, no entanto mais duradouro.
As Beta-endorfinas são libertadas na corrente sanguínea através de exercícios físicos, principalmente os prolongados, o que justifica a sensação de bem-estar e euforia descrita por corredores de longa distância. Uma vez que entrem no fluxo sanguíneo, as Beta-endorfinas criam um efeito mais generalizado por todo o corpo, e permanecem mais tempo do que as encefalinas.
Por tudo o que foi exposto, podemos, a título de conclusão, estabelecer um circuito de dor da seguinte forma:
- Quando existe um estímulo de dor, este é rececionado por um receptor sensorial aferente.
- Este neurónio aferente excitado transmite, através de fibras nervosas, o estímulo a um interneurónio que o irá conduzir ao SNC (normalmente com entrada pela raiz dorsal da Medula Espinal).
- Quando a informação é recebida e interpretada pelo Tálamo gera uma sensação de dor.
- Se de alguma forma este percurso, que decorre entre a receção do estímulo (pelo nocirecetor) e a sua chegada ao SNC é interrompido, cria-se uma sensação de analgesia, não gerando dor.
- A introdução de uma agulha de acupuntura e a sua correta estimulação num determinado ponto específico, é capaz de induzir a libertação de encefalinas, que por sua vez irão interromper o referido circuito, e, portanto, diminuir/ anular a dor.
Para que se verifique a libertação de endorfinas, determinadas áreas do corpo devem ser estimuladas intermitentemente para um nível de dor – essa é a base da acupuntura.
Uma agulha colocada numa área específica do corpo que tenha uma grande concentração de nocireceptores e uma baixa resistência elétrica, quando estimulada a uma frequência de pelo menos duas vezes por segundo, cria baixos níveis de dor.
O estímulo provoca a libertação de determinadas encefalinas no líquido cérebro-espinhal e todo esse processo vai reduzir a dor nos tecidos inervados por essa área.
O mais interessante será verificar que no nosso organismo, os principais pontos de menor resistência elétrica, medidos com tecnologia específica (Ryodoraku), se apresentam coincidentes com muitos dos principais pontos de acupuntura clássicos, descritos na literatura.
Será portanto razoável afirmar que a estimulação de determinados pontos de acupuntura poderá induzir a libertação de encefalinas, que por sua vez irá induzir a analgesia nas áreas associadas.